Pare de mimimi! Seja empreendedor!

Primeiro a gente começa a desmontar os direitos trabalhistas e os sindicatos. Pagamos caro pela campanha de alguns deputados e senadores, então eles vão fazer o que a gente quer! Qualquer “reforma” passará!

Depois, começamos a dizer em novelas, filmes e propagandas que o empreendedorismo é lindo! É o “faça você mesmo”. E todo mundo vai acreditar! Acreditam até que o agro é pop!

Empreendedorismo é a solução para os problemas da sua falta de grana, pobre! Essa coisa de “trabalhador” ficou no passado, tá fora de moda! Fica muito mais bonito “empreendedor”!

A gente vai fazer você achar que o pouco dinheiro e a vida mais difícil não são frutos da omissão do Estado, da fala de políticas públicas e da ganância dos empresários e da elite. Você vai acreditar que sua precariedade é fruto do acaso e, portanto, é um problema apenas seu. Você que lide com ele. Sem mimimi. Vire empreendedor!

Se endivide, pegue empréstimo num banco, alugue um carro, compre uma moto (ou melhor: use a bicicleta do Itaú, nosso parceiro), compre uma mochila térmica (pois é, a empresa não vai poder te dar uma, pois nada é dado nessa vida, você precisa COMPRAR). Quem quer consegue!

Tá muito duro? Não se preocupe! A gente pinta o empreendedorismo com as cores do arco-íris, ou com as cores de qualquer pauta que você queira! A nossa exploração é mais humanizada!

E por favor, não nos importa se os entregadores de iFood trabalham em média 12 horas por dia. Não queremos choro, só esforço. Não importa se desmaiam de fome enquanto carregam comida alheia. Não importa se precisam cagar e mijar em lugares insalubres. Não importa se ganham muito pouco por cada entrega. E definitivamente, NÃO IMPORTA, se morrerem em serviço. Afinal, eles não são funcionários nem da Rappi, nem Uber Eats, nem da Loggi, nem de empresa nenhuma. Eles não são nossos funcionários, nem de ninguém.

Eles são empreendedores!!!

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Esse texto foi feito por ocasião da Greve Nacional dos Entregadores de App, que está acontecendo hoje, 01 de Julho, em todas as regiões do Brasil. Entre as reivindicações dos trabalhadores, está a implementação de um seguro de roubo, de acidente e de vida; maior valor pago por cada km rodado; adoção de equipamentos de segurança e menos exploração por parte das empresas de aplicativo, que lucram muito dinheiro em cima do trabalho dos entregadores e da produção de pequenos e médios restaurantes. Quanto mais o trabalho formal é precarizado e escasso, mais cresce o número de entregadores por aplicativo e, consequentemente, mais as empresas donas dos aplicativos lucram e enriquecem. Cobram taxas abusivas dos pequenos e médios restaurantes e cada vez pagam menos aos entregadores. Neoliberalismo no seu nível máximo de exploração do trabalho alheio.

Como disse o Galo, um dos líderes do movimento Entregadores Antifascistas: “Aqui nois não é empreendedor de porra nenhuma, nois é força de trabalho!”

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Lana de Holanda 🏳️‍⚧️

Comunicadora feminista e poeta. Latin America + Human Rights + Feminism. “Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem”, Rosa Lux.